Ela disse que não quer que a filha se torne uma "personagem" e está preocupada com as consequências psicológicas.
No texto, Fernanda explicou que não achava saudável que adultos e adolescentes tenham como referência de autoconhecimento o feedback virtual que recebem nas redes sociais. Ela achou que o número de seguidores era ilusório e que isso só atrapalharia o processo de individualidade da filha.
Segundo a mãe, a filha estava crescendo e desenvolvendo a própria autoestima baseada na opinião de pessoas que ela não conhecia. “Isso é ilusão e ilusão mete uma neblina danada na estrada do se encontrar”, escreveu. “Entre suas mídias eram quase 2 milhões de seguidores, dezenas de fã clubes, tudo muito doce mas também prejudicial para qualquer adolescente em processo de descoberta e busca pela individualidade”.
Fernanda disse que não aconteceu "nada pontual" para que ela tomasse tal atitude. "Era um assunto que a gente já conversava há meses. Eu falava: 'Filha, esse feed não está legal'. Restringi o uso, tirei o celular uma semana, tirei um mês, pedia pra ela me mostrar tudo antes de postar para a gente analisar juntas os vídeos e fotos. Dava certo uma semana, mas, depois, com a correria do dia a dia, eu esquecia e ela voltava a postar o mesmo vazio redundante de antes", diz. Segundo a mãe, eram selfies e "dancinhas robóticas". "Eu perguntava: 'Nina, você gosta de fazer coreografias? Nunca te vi dançando antes do Tiktok. Mostre para o mundo as coisas que você ama fazer, aquilo que te faz diferente e não o que te faz idêntica a todas as outras meninas da internet”, conta.
"Muitas mães me criticaram falando: 'Onde você estava enquanto os seguidores aumentavam? Por que deixou chegar a esse ponto?' Eu sempre estive ao lado dela, mas no começo deixei porque achava a mensagem importante. Ela começou falando sobre voo livre para aves — com 12 anos era a treinadora mais jovem do Brasil — e seu trabalho como voluntária em institutos de resgate a animais. Ela tem a voz linda e adorava cantar. Mas quando caras e bocas geravam mais engajamento, 'o que fazia da Nina a Nina' foi sendo deixado de lado. Devagarinho, o conteúdo foi ficando cada vez mais fútil e foi a hora em que eu dei um basta", lembra. "Quando (e se) ela resgatar a essência do que a faz diferente, pode começar uma conta nova. Mas esse filtro de bom senso tem que partir da maturidade dela, não vou ficar sendo fiscal de mídia social", disse a mãe.
Fernanda, que também é mãe de Nicholas, 16, e Thomas, 11, revela que a filha levou um tempo para aceitar a decisão. "Ela ficou muito brava uns dois dias, trancada no quarto dela, sem falar comigo. Depois, ficou uns três dias meio 'deprê' e, ao final da semana, voltou ao normal. Ficou claro que estava passando por uma espécie de 'abstinência de dopamina'. Quem assistiu ‘O Dilema das Redes’ sabe do que eu estou falando. A gente está tão condicionado a essa avalanche artificial do neurotransmissor em forma de likes, comentários e notificações que, quando somos privados disso, o cérebro dá um tilt. Deixamos de ter um prazer suficiente em coisas que antes bastavam, como tomar um sorvete com os amigos ou ler um bom livro. Eu quero que a Nina entenda que o valor dela vem de dentro e não ao que os seguidores atribuíam a ela. Ela sempre lidou muito bem com crítica; é muito resiliente e dava risada dos inevitáveis haters. Essa parte não me preocupava. O que mais me angustiava era a bajulação. Era muita, muita 'polição de ego' o dia inteiro e pouco aprimoramento interno. Não queria jamais que ela acreditasse que beleza era o que ela tinha de mais especial", afirmou.
Mas, para "proteger a futura saúde mental" de Nina, Fernanda conta que foi chamada "centenas de vezes pelos adolescentes de narcisista, invejosa, arruinadora de sonhos". "Recebi incontáveis xingamentos. Um menino e uma menina falaram que eu merecia morrer por jogar fora todo 'o trabalho' dela. Todos, invariavelmente, quando eu entrava no perfil, eram aspirantes a fama de internet. No perfil falavam que eram Tiktokers, influenciadores, geradores de conteúdo. Que conteúdo gente? Até pra ser palhaço precisa estudar, precisa nascer com a veia da coisa. Comédia boa requer uma inteligência absurda, não é sair imitando trend. Dançarino precisa de ginga. Esse povo precisa que a gente estimule novos sonhos neles", disse. "Eu explicava: 'Gente, vocês estão me atacando, mas esse sonho é de vocês. O da Nina é ser bióloga e ter um grande centro de proteção e resgate ambiental. Eu estou justamente apoiando os planos dela por tirar as distrações'. Essa geração não entende que não é todo mundo que quer ser famoso, não entra na cabeça deles", finalizou.
Para a neuropsicóloga, Deborah Moss, mestre em Psicologia do Desenvolvimento (USP), de São Paulo, primeiramente, Fernanda é uma mãe muito corajosa. "Para 'bancar' a possível frustração, bravesa e revolta de um filho é preciso ter coragem", afirma. "Na minha opinião, é uma atitude louvável no sentido de ter muito claro a educação que ela quer dar para os filhos, e manter a firmeza dos limites. E o motivo por ela fazer isso também é de aplaudir, pois os jovens estão em uma fase de autoafirmação, de construção da autoestima e ficar exposto dessa maneira e na dependência dos seguidores pode ser muito prejudicial", diz.
"Afinal, que maturidade tem um adolescente para lidar com as críticas e toda a parte negativa que pode vir com a fama? Por outro lado, que maturidade tem as pessoas que fazem as críticas e enviam mensagens negativas? Então, achei interessante a atitude dessa mãe e pode ser uma boa influência para outros pais. Os jovens, antes de mais nada, precisam ter mais maturidade para poder lidar com críticas e elogios", finalizou.
Fernanda publicou no Instagram:
"Turminha teen, eu vou escrever aqui porque recebi muitos directs de seguidores da Nina querendo saber o que aconteceu por ela ter sumido. Decidi apagar a conta do Tiktok e do Instagram dela. Chata, eu sei, mas nossa função como mãe não é ser amiguinha de vocês e isso vocês só vão entender em retrospectiva. Papo de tia.
O carinho que vocês têm por ela é a coisa mais fofa mas eu não acho saudável nem para um adulto e muito menos para uma adolescente basear referências de autoconhecimento em feedback virtual. Isso é ilusão e ilusão mete uma neblina danada na estrada do se encontrar. Entre suas mídias eram quase 2 milhões de seguidores, dezenas de fã clubes, tudo muito doce mas também prejudicial para qualquer adolescente em processo de descoberta e busca pela individualidade.
Eu não quero que ela cresça acreditando que é esse personagem. Não quero ela divulgando roupas inflamáveis de poliéster made in China. Não quero minha filha brilhante se prestando a dancinhas diárias como um babuíno treinado. Acho divertido.. e mega insuficiente. Triste geração em que isso justifica fama. Li outro dia que a gente tem que voltar a ter vergonha de ser burro e é bem por aí. Saudade de quando precisava ter talento em alguma coisa para se destacar. Nascemos com vários dons que nos fazem únicos mas quando a gente copy paste a manada eles se diluem no processo e a gente cresce sendo só mais um na multidão.
Não quero que ela se emocione com biscoitos (assim que fala?) e elogios. Nem que se abale com críticas de quem não conhece. Opiniões são só reflexos de quem está oferecendo e não de quem recebe. Você me acha linda pq você é linda ou está feliz. Você me acha feia pq você é feia ou teve um dia ruim. Eu não tenho nada a ver com isso.
A fã número um dela sou eu e ela continuará dando as caras por aqui, se quiser. Quando ela tiver conteúdo interessante para dividir ela pode voltar a ter conta. Conforme os planos, ela vai pra Suíça junto com big bro no segundo semestre continuar os estudos por lá. Pular de para-quedas, estudar biologia na floresta, salvar umas vacas nos Alpes. A vida só presta quando se é feliz offline primeiro. Bjs da tia Fê".
Moda perigosa
Fernanda não está errada no que disse. Os jovens são influenciados a todo momento e nem sempre de forma positiva. Além dos vídeos das dancinhas como a médica mencionou, há outras atividades que viralizam e são bem perigosas.
A internet dita tendências e muitas são nocivas à vida das pessoas. A curiosidade pelos desafios da moda pode prejudicar muito o jovem. Uma nova "brincadeira" que circula e tem chamado atenção de especialistas e autoridades, por exemplo, incita o usuário a mudar de realidade.
O desafio #shiftingrealities ou, mudando a realidade em tradução livre para o português, "ensina" o usuário a entrar em outros "mundos". Isso mesmo. Parece loucura, mas, nesse trend (tendência), os adolescentes compartilham métodos para que o jovem consiga visitar outros lugares e até "vidas".
Há quem retrate que, após participar, sentiu alguém o tocando e até ouviu vozes. Outros declaram uma frustração por não ter conseguido sentir nada.
Os especialistas alertam que esse comportamento revela um desejo de escape, ou seja, de fugir da própria realidade e de conquistar visibilidade.
"Os jovens estão vivendo um momento que chamamos de exploratório e, ainda mais na pandemia, a internet se tornou um caminho para eles. Essa por exemplo é uma 'brincadeira' perigosa que pode causar danos emocionais. Por isso, os pais devem ficar muito atentos, monitorá-los desde a infância", orienta a psicóloga Cláudia Gindre.É preciso sempre conversar sobre os perigos desses desafios e, se preciso for, agir como a médica Fernanda Rocha Kanner, excluir as contas das redes sociais para incentivar o filho a viver uma vida offline, ou seja, a verdadeira realidade.
Efeitos psicológicos
Como qualquer vídeo pode viralizar mesmo sem ter muitos seguidores, um objetivo comum entre os mais jovens é ser um “tiktok star”.
Que implicação psicológica tudo isso tem? A verdade é que é mais profunda e complexa do que pensamos.
- Como os adolescentes de 12 anos já podem acessar essa rede, estamos assistindo a vídeos de meninas dessa idade hiperssexualizadas precocemente para criar impacto e acumular seguidores.
- Muitos pais desconhecem completamente a existência dessa rede social. Portanto, também não sabem que os seus filhos dedicam muitas horas do dia a este aplicativo, tanto para assistir vídeos quanto para produzi-los. Em muitos casos, as responsabilidades acadêmicas são deixadas de lado.
- Muitos adolescentes começaram a apresentar comportamentos de dependência em relação ao Tik Tok. Eles aspiram à exposição pública, gostam de viralizar e querem que seus vídeos sejam compartilhados milhares de vezes. Porém, a produção de vídeos é constante, pois caso eles recebam um reforço, este é breve, já que depois de alguns segundos outro vídeo aparece, ainda mais surpreendente do que o que você criou.
- Se uma parte da nossa geração mais jovem só tem em mente obter engajamento e fazer com que o vídeo que postou seja bem aceito, então há algo errado em nossa sociedade.
- Uma das consequências psicológicas do uso abusivo do Tik Tok pelos nossos adolescentes é basear a sua autoestima e identidade na aprovação que alcançam nessa rede social.
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