A história de Simone Biles - "Preciso cuidar da saúde mental"

Essa foi a frase de Simone Biles, ginasta estadunidense de 24 anos, competiu nas Olimpíadas de Tóquio e desistiu da final na madrugada do dia 27 de julho, após errar um salto. Então desistiu para também não prejudicar a equipe.

"Preciso focar na minha saúde mental. Temos que proteger nossas mentes e corpos e não apenas sair fazendo o que o mundo quer que a gente faça".

Simone foi uma das vitimas abusadas sexualmente pelo osteopata da comissão técnica dos EUA, Larry Nassar e mesmo assim continuou a ser cobrada a ser a melhor do mundo. Ela é a única que ainda compete após anos de abusos. Outra das vítimas, Chelsea Markham, violentada aos 10 anos, cometeu suicídio aos 26. Outras relatam ataques de pânico, estresse pós-traumático e outros sintomas ligados à depressão grave. Simone Biles é uma sobrevivente.

Nessa espiral de omissão, quando os adultos em quem se confia não os protegem, há uma enorme confusão inclusive sobre o que é amor. Essa dúvida se reflete pela vida inteira. O ato de Simone Biles foi, portanto, de grandeza, de coragem e de compromisso para que essa cultura que acoberta a violência sexual nunca mais ocorra.

"Ninguém nos disse o que era abuso sexual", disse Biles no documentário Simone vs Herself. "Nós realmente não sentíamos que estávamos passando por isso ou éramos vítimas. Muitas de nós não iam à escola. Fomos educadas em casa, então não é como se tivéssemos pessoas com quem conversar sobre isso."

A história que envolve Larry Nassar, documentada no filme Atleta A, só veio à tona após 20 anos de abusos, violentando mais de 150 meninas, exposta pelo jornal The Indianapolis Star, em 2016, durante os Jogos do Rio de Janeiro. Nas duas décadas anteriores, foi escondida por técnicos, dirigentes e também pelo Comitê Olímpico dos Estados Unidos, muitas vezes sob o argumento de que o agressor era católico e pai de duas meninas.

"Preciso me concentrar no meu bem-estar, há vida além da ginástica. Esses jogos tem sido estressantes. Acho que estamos todos muito estressados. Não confio mais tanto em mim mesma, talvez por estar mais velha. Não somos só atletas, somos pessoas e às vezes é preciso dar um passo pra trás".

Nascida em Ohio, sua mãe, Shannon, era dependente de drogas e álcool. A justiça norte-americana tirou seus oito filhos e os enviou a orfanatos, quando Simone tinha três anos. Seus avós decidiram criá-la, junto com a sua irmã mais nova, Adria. E as levaram para casa. A justiça a mantinha afastada da mãe.

Ela é também ativista, representante das mulheres negras nas Olimpíadas. Afinal, era a primeira atleta negra da história da ginástica olímpica dos Estados Unidos. E ela revelou que, assim que começou a colecionar vitórias, prêmios, medalhas, passou a sofrer racismo.

"Eu estava em um campeonato mundial, e o que virou notícia foi outra ginasta (a italiana Carlotta Ferlito, em 2013) dizendo que 'se pintássemos nossa pele de preto' talvez todas ganharíamos porque eu a venci na disputa pela medalha, e ela ficou chateada."

Ela também tem TDAH e o Japão proíbe o medicamento que ela faz uso. E TDAH não é só desatenção e agitação, pode estar associada a depressão, ansiedade, pânico, falta de confiança entre outras comorbidades.

“Eu não tenho ideia de como pousei em pé naquele salto, porque se você olhar as fotos e meus olhos, consegue ver como estou confusa em relação a onde estou no ar. Felizmente eu aterrissei em segurança”.

O que Biles descreve é chamado de ‘twisties’, algo como uma confusão mental que tira a exata, e fundamental, noção que a ginasta tem de ter para conseguir fazer tantas acrobacias, virando e revirando o corpo e a cabeça, conseguindo encerrar o movimento em pé, em segurança. “Minha mente e corpo simplesmente estão fora de sincronia. Não acho que vocês entendem quão perigoso isso é nas superfícies de competições duras. Eu não preciso explicar porque coloquei a saúde em primeiro lugar”.

Vale lembrar que ela obteve 19 títulos de campeã mundial e 25 medalhas de campeonatos mundiais, sendo quatro vezes medalhista de ouro nas olimpíadas de 2016, fazendo dela a ginasta mais premiada de todos os tempos.

Foi criticada por pessoas que dizem que isso foi covardia, que não tem nada a ver com saúde mental, que as pessoas estão exaltando a desistência.

O ponto é que se fosse uma lesão física, não haveria debate sobre a necessidade de cuidados. Mas como é uma questão mental, algo invisível, ainda há muitos estigmas. Só sabe quem sente.

Então, a questão que trago é que não importa se ela estava fingindo, se foi fraca ou se de fato estava adoecida mentalmente, mas sim a mensagem do seu ato para todo o planeta.

A desistência dela nos ensinou algumas lições: 
1-Não é fraqueza assumir nossas vulnerabilidades.
2-Não precisamos ganhar a todo custo.
3-Escolher a saúde mental é ato de coragem.
4-Pessoas fortes também precisam de cuidados.
5-Pausas são necessárias.
6-Não adoecer para atender as expectativas dos outros.

Convido você a pensar: onde você está, seja na escola, faculdade, emprego, família, você também está sendo cobrado e se cobra em ser o número 1?

Já vi crianças que estão nesta loucura por competição, em ser a número 1 nos estudos, nas provas, nos esportes, nas amizades. Não sabem lidar com o fato de sermos imperfeitos, que sempre há alguém mais habilidoso que nós. Que não podemos ser bons em tudo.

A verdade é que elas querem ser aceitas, aprovadas. Então a busca não é ser o melhor mas sim elevar sua autoestima, para que não seja abalada por críticas, pois está consciente de quem é, de suas qualidades, defeitos, de suas escolhas, de seus limites. Reconher é o primeiro passo de mudar aquilo que está lhe causando sofrimento.

Toda vez que vejo um jovem tirando sempre notas maximas nas provas eu penso: o que será que ela está sacrificando para isso? Lazer, amizades, esportes, ócio? Que preço estão pagando?

Tem horas que a medalha de ouro é ser quem é!

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